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Quem precisa de educação musical

  • Cecília Cavalieri França*
  • 29 de mar. de 2016
  • 3 min de leitura

As concepções a respeito da natureza e do valor intrínseco da música moldam-se paralelamente à visão de mundo e de homem. As escolas de pensamento positivista nos legaram uma limitadora separação da experiência humana em pólos supostamente antagônicos: objetivo e subjetivo(1) . Na incansável busca pela objetividade, toda a subjetividade foi excluída do domínio da ciência e, por conseguinte, do âmbito educacional. Neste cenário, as artes estiveram por muito tempo relegadas ao "elegante" papel de descanso entre as disciplinas consideradas "sérias".


Há um século, entretanto, a comunidade científica constatou o esvaziamento das certezas cartesianas: sobraram-lhes apenas incertezas, probabilidades. Era a subjetividade voltando à cena pelo braço da própria ciência. Corpo e mente, matéria e espírito, objetividade e subjetividade, intuição e análise, passaram gradativamente a serem vistos como aspectos complementares de uma saudável relação dialética. Desde então, o esforço educacional vem assumindo um caráter mais holístico e integrador, buscando o florescimento das potencialidades vitais do ser humano. O ensino das artes, especialmente o da música, adquire um novo status, envolvendo e resgatando o que há tempos era negligenciado: a intuição, os valores e a sensibilidade.


Através da diversidade de formas simbólicas e de seus inesgotáveis produtos, questionamentos e teorias, interagimos com o mundo e nos tornamos seres sociais. Se acreditamos que a educação deve promover o desenvolvimento das múltiplas potencialidades do indivíduo, seria desejável que as várias formas de conhecimento fizessem parte da educação de todos os indivíduos. A música constitui uma forma simbólica extremamente refinada, complexa, articulada e significativa; é parte intrínseca do tecido das civilizações(2), sendo uma importante fonte de significados tanto em nível psicológico individual quanto coletivo(3). É uma modalidade genuína de conhecimento, com suas características, seus processos, procedimentos e produtos próprios, tanto quanto a matemática, as ciências naturais ou a linguagem. Ela tem o poder de nos envolver e de nos mover profundamente, pois contém propriedades dinâmicas análogas a propriedades da nossa humana experiência(4). Eventos musicais como crescendo e decrescendo, acelerando e ritardando, tensão e resolução, movimento e repouso, hesitação e determinação, preparação e completude, excitação e monotonia, expectativa e mudança súbita, dentre outros, são vivenciados a todo momento na nossa experiência cotidiana. Portanto, música não é simplesmente uma alternativa para "dar vazão" às emoções, ou, como freqüentemente ouvimos, para "relaxar". Ela pode mobilizar e elaborar nossa vida intelectual e afetiva como nenhuma outra forma de conhecimento: abrem-se novas possibilidades de articulação simbólica e expressiva. Isto a torna uma poderosa forma de conhecimento entre aquelas que constituem essa dinâmica cultural que nos faz humanos.


Há uma longa tradição do ensino especializado de música, voltado de forma mais acentuada para o desenvolvimento instrumental, que, embora legítimo e necessário, atinge grupos diminutos. Por isso, a educação musical deve ser universal - tanto quanto as ciências e a matemática - porque é parte essencial da formação humana. Precisamos nos empenhar para que todos os jovens tenham a oportunidade de articular e expressar "sua voz" através desta forma de conhecimento. É essencial - e urgente - que saibam compreender e criticar as "vozes" que os cercam.


Como músicos e educadores, assistimos atônitos à decadência acelerada dos valores, da sensibilidade, da ética e da delicadeza do espírito. A todo momento nos deparamos com lamentáveis espetáculos "coreográfico-musicais", que nos são despejados pela mídia janela adentro. Aos jovens, anestesiados pelo embalo alucinógeno, foge-lhes qualquer possibilidade de crítica ou opção. É um fenômeno sociocultural que merece ser abordado com seriedade e profundidade.


Diante dele, cabe-nos uma pacífica reação: educação. É premente a necessidade de criarmos referências positivas, não pela exclusão ou preconceito, mas pelo contraste. Há muito mais satisfação e prazer estéticos e artísticos para se experimentar em música do que sonham aqueles que embarcam cegamente naquele bonde que vai parar não se sabe onde. A música nos oferece uma variedade infindável de objetos simbólicos que podem ser altamente reveladores e transformadores: ela enriquece o espírito, expande nosso universo interior e refina a percepção crítica do ambiente que nos rodeia. Não seria este o propósito da educação?


*Professora da Escola de Música e doutora em Educação Musical pela Universidade de Londres


(1) Capra, F. 1982; 1996

(2) Aspin, D. 1981

(3) Swanwick, K.1994

(4) Langer, S. 1942; Hanslick, E.1854

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